Ah, como era linda a inocência dos anos 60. Maria tinha apenas quinze anos de idade quando perguntou para a mãe:
- Mãe, me explica um coisa?
-Que que houve, Maria, não vê que eu estou fazendo a comida?
- Mas é que isso tá me incomodando faz um tempão. - retrucou a menina.
- Tá bom, então. Mas fala rápido, você sabe que eu odeio ser incomodada na cozinha.
A menina, de repente, ficou calada como se tivesse perdido a coragem que ganhara três minutos antes, quando chegara na cozinha.
- Fala logo, Maria! Tá me deixando preocupada. - Falou a mãe diante daquele silêncio enlouquecedor que fazia a filha deixando a entender que o assunto era sério
- Sabe o que é mãe...
Essa demora para falar não era de costume. Geralemente a filha era curta e grossa, o que lhe dava, inclusive, um ar mal educado, que a mãe não gostava muito. Mas era melhor que aquela demora angustiante. A cada segundo de silêncio que passava, a mulher picava mais rápido os pimentões verdes, cheirosíssimos. A esta altura já parecia uma máquina, de tão rápido que cortava.
- É que eu tô sentindo coisas.
A máquina de cortar pimentões parou de repente. talvez fosse melhor ter continuado o silêncio. Pelo menos era mais produtivo.
- E.. que tipo de coisas, minha filha? - indagou a mulher com um certo medo da resposta que ia ouvir.
- Ah, num sei... um calor... - "Calor?!" - Que sobe... - "Sobe?!" - Pela virilha - "VIRILHA?!". Essas três palavras juntas numa frase não podia ser boa coisa. Sem dúvida a mãe conhecia a expressão "calor que sobe pela virilha" já usara como praticara inúmeras vezes, era sinônimo de "putaria". Palavra, certamente, imprópria para o horário nobre. Não queria ter ouvido tais palavras saírem da boca da filha, não assim tão novinha. Afinal eram de uma família tradicional tijucana. A menina estudava no Instituto de Educação, na Mariz e Barros, já cursava o primeiro ano do colegial. Definitivamente não era uma boa frase de se escutar da filha nessa idade.
Já tivera uma conversa desse tipo com ela antes, mas numa época que acreditava que a filha morreria casta. Lembrava como se fosse ontem que falara sobre como as abelhinhas colhem o néctar das flores com suas trombas fálicas, deixando, por muitas vezes, escorrer um líquido branco cheio de vida, e que a menina deveria tomar cuidado para que tal líquido não respingasse dentro de sua florzinha inocente senão uma cegonha certamente viria dentro de alguns meses. Logicamente a menina não entendeu bulhufas e passou a ter um pavor de abelhas.
Depois de terminado o momento de nostalgia em sua mente, perguntou para a filha:
- E quando você sente esse calor, Maria?
- ah, às vezes quando eu escuto o disco novo do Roberto Carlos - Como eram inocentes, as meninas dos anos 60 - às vezes quando eu to indo dormir, às vezes quando eu tô deitada na cama do Marcelo - OK, nem tão inocentes assim.
A mãe, que já estava nervosa, ficou atônita.
- E o que você faz deitada na cama do Marcelo?!? - Disse numa voz rouca, trêmula, quase inaldível.
- Ah, mãe, num sei. Às vezes a gente fica conversando, às vezes ele fala coisas no meu ouvido e começa a subir esse calor. Às vezes ele me mostra a minhoquinha dele. Não é muito grande não, já vi maiores, mas também não é a menor que eu já peguei. Às vezes ele fala que é o Dr. Ricardo, meu ginecologista, sabe? Então, ele fala que é o Dr. Ricardo e examina a mariazinha pra ver se não tem nada errado. Aí o calor sobe mais ainda. Às vezes ele bota a.... Mãe?!
A mulher encontrava-se, em estado catatônico, caída no chão. Maria logo correu ao telefone e discou para a emergência. Em alguns minutos os para-médicos chegaram e levaram a mulher para o hospital. A moça então pegou novamente o telefone. Dessa vez discou o número do escritório do pai.
- Pai?! Mamãe foi para o Souza Aguiar, desmaiada!!! - Gritou a menina ofegante, como que assustada.
- Ai meu deus! Eu estou indo pra lá! Ligo quando tiver tudo bem! Fica calma minha filha, fica calma que vai dar tudo certo! - falou o pai, tentando consolar a pobre menina.
A menina desligou o telefone, pegou-o novamente e discou uma terceira vez.
- Alô, Marcelo? Pode vir que deu certo.
Ah, como era linda a inocência dos anos 60...
Pedro Vargas