quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Mago e a Feiticeira


Lê a minha mão. Me fala o que se pode saber de mãos.
Me fala o que se pode ter nas linhas, nas marcas digitais.
Me conta da tua quiromancia. Me diz da tua mágica.

Minhas mãos é que te lêem.
Elas que tocam teu corpo, te sentem quente,
quentes por algo mais.

Que tocam cabelos e mais cabelos da tua cabeça de cigana, de mágica, Feiticeira.
As mãos te lêem facilmente, Feiticeira, como a um livro escrito em braile.

As mãos lêem teu cheiro de mulher,
Enxergam a tua cor queimada de sol,
Sentem o teu gosto de canela,
Teu sabor de mato,
De cidade,
Do Rio de Janeiro.

As mãos agem sozinhas.
Sem precisar dos meus comandos de bobo enfeitiçado.
Sábias mãos de Mago.

As mãos escutam teu rock'n'roll envelopado nessa capsula de flores, cores, vermelhos, verdes.

As mãos saboreiam da tua carne, brincando com teus sentidos,
Causam arrepios no teu corpo de maga.

As mãos que gostam do teu gozo, que querem te tocar a boca num beijo feitiço.

Mãos de mago.
Contudo mãos de homem.
Inquietas mãos que não se controlam de desejo
De tesão,
De afeto,
De carinho.

Mãos que te tocam feito violão.
Que te acordam em acordes
Acorde de amarelo
Acorde de sexo
Acorde de amor
Acorde de poesia.

No fundo é essa a tua mágica.
Teu corpo não é matéria física.
É melodia,
Canto de passarinho,
Coacho de sapo,,
Buzina de carro,
Música dos Beatles,
Barulho de mar no fundo da concha.
És canção da vida compactada
Num corpo de mulher.

Pedro Vargas

domingo, 28 de novembro de 2010

Esquisito morar numa estrela
Viver de céu
E morrer de saudades
Saudade da Lua
Da gravidade
Da vida de terráqueo

Esquisito morar numa estrela
Viver de ponta-cabeça
pra não queimar os pés

Estranho,
O brilho não me incomoda mais
Os raios cosmicos de estrela
São como música para os olhos
Do poeta espacial

Estranho,
O Sol parece tão distante
A via lactea é um poema
Uma via de leite
No meio do cosmos
No meio do nada

Esquisito morar numa estrela
Pensar na beleza
Das flores de Saturno
Nos ventos de Urano
Nos pinguins de plutão

Uma estrela tão longe de tudo
Que tudo parece formiga
Miúdo na imensidão

Uma estrela, casinha de luz
No quintal, plantação de planetas

Uma estrela, meu lar

Pedro Vargas

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Os mágicos são todos irmãos mais velhos

Já disseram por aí que ser mais velho é ruim, é chato porque você deixou de ser o único. fica essas neuras na cabeça.
é as vezes fica, mas você tem alguém do teu lado de alguma maneira.
Você acaba sentindo que vai virar o Scar
Porque sabe que o Scar é irmão mais velho do Mufaza. sabe né?
Mas é bom a beça
comer com o irmão é o momento que nos sentimos mais animais. o momento que o instinto fala mais alto.
Me sinto um macaco quando to digitando. dá pra ver que no fundo no fundo eu sou um macaco com razão. é a única diferença. ser um macaco com razão.eu percebo nesses momentos como é bom ter o instinto.
Por isso que meu irmão faz bem. Por isso que a gente é como algum tipo de desenho estranho. Como se o Simba tivesse irmão. Rei Leão é o meu filme favorito.
queria muito ver um filme do 007 agora
me sentir o James Bond
Me disseram que a bondgirl é a Joss Stone. uma gata que canta na minha janela. Dizem, só dizem. Parece que virei gato de vez.
Misturei minha lingua. Me lambi pra limpar. é como se meu animal fosse mesmo um leão, e não um macaco que pensa. Eu agora sou um leão. Meu irmão seria um escorpião?
seria isso mesmo?
talvez seja isso que os signos querem falar
o SIgno da gente é nosso animal interior....
Que maluquice pensar que uma balança seria um animal. Um aquario.
Parece o Mysterio do Homem-Aranha. Ele é mesmo aquariano. O duende verde é leonino. O homem aranha é Queliceromorpha. e é aí que entra a poesia animalesca.
Um dia escreverei a Taxonomia poética dos bichos. Mas até lá, me contento em ser animal apenas. Porque de bicho, só o grilo. e mais nada.
O grilo que canta atrás de mim. Um trecho de tudo que é bonito
Grilo
A onda que bate no canto do folhiço. è um grito
Grilo.
Vai de encontro ao que digo, pisco,
Grilo
è coisa linda do mundo, de tudo
Mudo.
Nada escuto
Além de grilos.
Acasalando.
Esse barulho de grito. é como um gemido de foda.
Estranho pensar, animal como poema.
Parece que o mundo gira de cabeça pra baixo, num redemoinho.
Caminho pra chegar em casa
Carapaça
coisa de besouro
E de grilo
È que nem casca de caracol
dura
que guarda um bicho
mole igual molusco.
Molusco
Pensa na origem da palavra.
Será que Molusco significa Algo mole?
Vai ver aqueles gregos doisos já pensavam nisso muito antes.
eram todos crianças, os gregos,
se pensassem assim.
Eram, então tão quanto sou também
Criança molusca
de carapaça calcária
sol caracol, ou caramujo?
Existem dois tipos de gente
Aqueles que falam caracol
E aqueles que falam caramujo.
eu estou em cima do muro
Olhando o bicho passar.
Caramujeando,
A caracolizar
Caracolizo-me, como se fosse caramelo.
Os caramelos são moluscos,
Grandes bichos do mar.
Caramelo, Presidente,
Tudo molusca,
Poema de cabeça
De tentáculo
Tinta, canção bonita
Lula, cefalópode
canção bonita da natureza.
Agora eu vou dormir,
E sonhar com gosma de caracol
Que pode ser até muito bonito se
E somente se
Você for um poeta

Os mágicos são todos Irmãos Mais Velhos.

Pedro Vargas

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Verão, Naquele Dia

Aquele dia era verão. Não porque os pássaros resolveram solfejar seus cantos da maneira mais sublime. Não pelos insetos voare agitados, com suas asas transparecidas, pra lá e pra cá. Não pelo fato de as formigas catarem só as folhas mais verdes dentre as folhas verdes. Não pelas garças sentirem calor e preguiça, daquelas preguiças gostosas que só dá num dia lindo de verão.
Aquele dia era verão. Não pelo cheiro salgado do dia, nem pelo azul que se fazia no céu pela manhã. Daquele tipo de manhã que a gente achava que só veria num desenho animado.
Era verão, mas não porque as praias chamavam pelo nome das pessoas cada vez que uma onda quebrava na areia.
Era verão, mas nada tinha a ver com a posição da terra no eixo de translação do planeta em torno do sol. A astronomia e seus cálculos matemáticos, pragmáticos, infelizmente passaram batidos daquele dia de verão.
Era verão, e seria verão mesmo se as gaivotas não estivessem flutuando nos ventos dos sopros, das flautas, das asas de borboletas. Mesmo se as cigarras resolvessem não cantar, enquanto fantasiavam-se com árvores. Mesmo se as flores mais lindas do mundo resolvessem não dar frutos e mesmo se o dia estivesse nublado. Mesmo que não fizesse o calor que fazia. Mesmo se o ar respirável não se confundisse com água do mar. Seria verão mesmo na Sibéria, ou na Groenlândia. Mesmo se pinguins e focas enaltecessem a minha visão sobre um gelo de cor inexplicavel. Mesmo ali, seria extremamente verão.
Era verão, aquele dia. Ardia um sol de rachar o chão dentro do peito. Daqueles sois que iluminam de noite e deixam insones os poetas. Um sol que teimava em arder mesmo sob um banho gelado. Um sol que sonhar picolés de maracujá. Um sol de se imaginar a felicidade tomando banho de rio. De se imaginar poeta se imaginando crinça indo à praia. Sentindo os pés grudando areia. Um sol de se querer oceano todo sobre a cabeça.
Era verão. E mesmo que os sábios especialistas se dissessem contrários a isso, seria verão. Era verão porque o sol viera acordar o poeta de madrugada. Era verão porque as lembranças abriram a janela deixando passar aquele vento vespertino de canções de Alceu Valença.
Era verão pois chovia cajus.

Pedro Vargas

sábado, 30 de outubro de 2010

Toda Sorte

Fiz que me fiz sortudo
Feito um rabo de cometa
Andei, assim, pelo mundo
Mastiguei todo o planeta
Provei do tempo das coisas
Saboreei dos seres, das almas,
Cantei o canto dos ventos
Mordi do fruto proibido

Caminhei na pele das moças
Mastiguei o gosto das moças
Escutei o gozo das moças
Tateei os pêlos das moças
Saboreei o aroma das moças
Engatinhei na alma das moças
Sufoquei o suspiro das moças
Solfejei o canto das moças
Velejei nas curvas das moças
Naveguei no sangue das moças
Cortejei os cabelos das moças
Aspirei o desejo das moças
Salivei com a carne das moças

E agora?
Agora meus sonhos são férteis
Meus olhos são fortes
Meus cantos são doces
Meus prantos são chuva
Meu corpo é terra
Minh'alma é mar
Meu beijo é céu
Agora
Agora deixei de ser gente
Pra ser um com o mundo
Pra ser prosa do ar
Pra ter vida de pássaro
E ter gosto de mel

Pedro Vargas

sábado, 11 de setembro de 2010

O Homem que Amou a Lua

Olhei para o céu, como quem não quer nada e, como quem não quer nada, deparei-me com a Lua sorrindo pra mim, ao lado de uma estrela brilhante, num azul de céu que teima em anoitecer. Um sorriso largo que me lembrou alguém, não lembro quem (mentira). Fiquei me perguntando porque será que a Lua mora tão longe de mim? E a Lua deu uma risada daquelas, como se me escutasse lá do espaço intergalático. Era tão bela, a Lua. Como aquela pessoa que meu cérebro insiste em não lembrar quem é (mentira). Então a Lua me disse "vem cá". Peguei emprestado um foguete com a NASA e fui voando como um cosmonauta, sem pensar em nada. A lua me chamava porque o Sol, seu marido, tinha ido embora trabalhar pros japoneses.
Passei a noite em estado lunar, a beijar aquele sorriso, a provar daqueles encantos. Passei uma noite e tanto como amante da Lua. Foi quando, no céu, surgiu um amarelo, e o azul marinho passou a ser azul celeste. Caí lá de cima feito pipa avoada, ou gaivota destrambelhada (como se gaivota destrambelhasse). Quando dei por mim, em minha cama, uma baita dor de cabeça e um galo na testa, quase não acreditei.
Fui à Lua e voltei.

(Ando muito celestial ultimamente)
Pedro Vargas

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Noite da Bahia

Era noite da Bahia. Chovia do céu algo que não era propriamente chuva. Chovia o próprio céu sobre as pessoas e bichos e todas as coisas. A noite da Bahia é como ter todas as noites do mundo num lugar só. Uma magia sem comparação.
Esse mesmo céu que se chovia sobre os tantos seres baianos, tinha uma cor que se mesclava com o mar. Era, de fato, um céu completamente navegável por saveiros ou navios. Até mesmo, quem sabe, cachalotes e tartarugas poderiam nadar tranquilamente naquele céu. Mas na verdade quem nadava eram gaivotas e fragatas, atrás de peixes voadores.
A magia da noite baiana não vinha só do céu. Na verdade se tratava de algo muito além do céu. O cheiro da Bahia à noite é inenarrável. Uma mistura do dendê com o coentro e o camarão e o coco e os corpos femininos com cheiro de flores noturnas.
As mulheres bahianas em geral têm o cheiro da Bahia. E as negras. Particularmente, as negras são a noite da Bahia personificada. Em charme e beleza e sabor, as negras são a noite estrelada da Bahia.
E Nada se compara à noite estrelada da Bahia
Pedro Vargas

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O Sabor do Céu


Degustei do sabor do céu dia desses, sob a forma de um torrone: uma espécie de céu peculiar, de uma dia nublado, embranquecido por nuvens, açucar e claras de ovo em neve, formando uma espécie de massa ou goma. Quando se mastiga, logo na primeira mordida, já se percebe:
- É céu.
É o céu em barras como só uma criança imaginaria. Mas quem descobriu tal doçura celeste dos dias nublados não foram os homens (nem nunca haveriam de ser). As formigas, seres especialistas em doce, anos-luz à nossa frente quando o assunto é açucarado, já descobriram isso há tanto tempo que até perdeu a graça, para essas diminutas criaturas, se empanturrar com tanto sabor. É bom que sobra mais pra gente.
Mas com tanto paladar em questão, fica uma dúvida no ar: qual será o sabor de uma noite estrelada?
O jeito é esperar que as formigas descubram.

Pedro Vargas

(dedico esse texto às minhas gorditas favoritas)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Rio

Romântica
E antropofágica
Urbe
De amor e de
Navalha
Teus nomes
São versos
Teus bairros,
Estrofes
Teus setembros
Floridos
Fevereiros
Calores
Teus Janeiros
Dezembram sobre mim

Poemas de amor
Te definem, Rio
Teu samba
Meu som
Teu choro
Meu tom
Teu canto
Meu conto
Tuas cores
Tão Brasil
E tão Paris
Romântica
E antropofágica
Urbe
Cidade-Poema
De versos sem
Fim

Pedro Vargas

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Anjo

Conheci meu Anjo-da-Guarda
Criatura rara
Como um estranho passarinho
Uma mulher vestida de céu.
Disse que veio me proteger
Mas em verdade
Não protegeu nada
Não sei bem se, de fato,
Era anjo
Podia ser só uma espécie
esquisita de borboleta
Ou uma manhã ensolarada
Cheirosa de mel
Podia até ser
Uma revoada de gaivota
Ou uma mulher,
Com corpo de nuvem
E os pés no firmamento

Pedro Vargas

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Doce Delito



Já fazia tempo que Fernanda conhecia Montanha. Por certo Montanha realmente não se chamava Montanha. Tratava-se apenas de um apelido que ganhara nos tempos de colégio. Acontece que Montanha pesava pra mais de 120 quilos quando criança. Já na idade adulta passara a pesar quase 200. Montanha não era feliz com aquele apelido, mas guardava isso para si, já que ninguém o conhecia pelo nome. O fato é que Montanha ilustra bem a sua pessoa. Nunca se vira ninguém que fosse tão grande quanto ele.
Montanha não gostava de ser montanhoso como era, mas nunca fizera nada para mudar seu peso. Nenhuma dieta, nem greve de fome, nem nada. Mesmo que fizesse, pouco mudaria. A montanhice de Montanha não se tratava de negligência alimentar, e sim de algo hereditário. Os amiguinhos de Montanha, quando criança, chamavam seu pai de Everest. Sua mãe era Kilimanjaro. Como são cruéis, as crianças. Montanha todo dia chorava em seu quarto por ser gordo e grande. Mas aprendeu a conviver com isso. Batia em todos os garotos que caçoavam dele, com requintes de crueldade. Veja que certa vez Montanha, bateu em um menino, jogou-o no chão e pulou em cima dele. O pobre menino nunca mais foi o mesmo: ficou conhecido como Panqueca. Depois disso, Montanha passou a ser respeitado na escola e na vizinhança e ninguém nunca mais caçoou da sua montanhez.
Já Fernanda conheceu Montanha em outra ocasião. Acontece que Fernanda era namorada de um primo de Montanha. Primo deveras próximo. Mas Montanha desejava Fernanda como a um bolinho de chocolate. Fernanda não dava muita bola pra ele, já que era apaixonada pelo primo. Montanha tratou logo de ficar amigo de Fernanda, para que mais tarde, quando o primo se cansasse da menina, Montanha pudesse se arranjar com ela.
Fernanda e o primo andavam brigando feio ultimamente e a menina preferiu acabar com tudo, para que não houvesse mais sofrimento. Mais tarde descobriu que as brigas eram, na verdade, a tentativa de encontrar um motivo para terminar. O primo era afeminado, e andava por aí de chamegos com um outro rapaz das redondezas. Fernanda ficou, de fato, abalada quando soube do caso de amor entre os dois rapazes.Fernanda chorou, chorou, ficou dias trancada no quarto, ficou noites em claro, até que certo dia a dor passou. Simples assim. Ela então saiu de casa e resolveu encarar o mundo. Montanha achava que Fernanda ainda estava abalada com a história e resolveu investir. A garota negou. Disse que já tinha outro cara na sua vida, e que eles eram super amigos, não teria nada a ver eles dois ficarem juntos. A verdade é que tudo isso era pura mentira. Fernanda nunca fora super amiga de Montanha, muito menos tinha outro cara. O que ela tinha era nojo da montanhez do Montanha. Tinha nojo do Montanha e toda a sua gordura nojenta, e toda a sua nojenta cara lambuzada de doces e guloseimas. Fernanda nunca comentaria nada disso em momento nenhum, porque, afinal, não seria legal com o Montanha.
O problema é que Montanha não reagiu bem à negação de Fernanda. Como poderia aquela menina, um bolinho de chocolate, negar o pedido do Montanha? Montanha tinha muita fome, naquele momento. Uma fome que nunca tivera antes. Montanha queria comer. Montanha queria comê-la. Montanha precisava de um bolinho de chocolate. Montanha, então, pediu pra encontrar Fernanda de novo. Fernanda aceitou, sem saber o que a esperava.
Ao chegar no local combinado com Montanha, Fernanda foi acertada na cabeça por uma panela. Montanha, agora, lembrava o Montanha criança. Foi sem dor alguma nos olhos que Montanha cortou Fernanda em pedacinhos, refogou e comeu, junto com macarrão. De sobremesa um bolinho de chocolate. Quando, na prisão, Montanha lembrava do ocorrido, sempre pensava: “Nem era tão gostosa assim”.
Pedro Vargas

domingo, 18 de julho de 2010

Hora de Ouro

Aurora
Hora de Ouro das noites insones
Feito um prêmio
Para os olhos mal dormidos

Aurora
Áurea hora do dia
Despertar do proletário
E ninar da Boemia

Aurora
Áurea hora do dia


Pedro Vargas

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Casebre

Queria eu, meu lar fosse um casebre
Uma casa campestre no meio do mato
queria eu fosse só eu
sem problemas, nem soluções
só eu, sozinho
eu com meus botões

Uma casa solitária seria, confesso
Sem vizinhos, sem convidados,
Mas da solidão vem a saudade
Que oblitera o coração
Queria eu, meu lar fosse lá
Só pelo prazer que seria
Ter vontade de voltar

Pedro Vargas

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A vida está nos olhos de quem vê

Já vivi vidas mil
Já sorri
Já chorei
Hoje vejo a vida
De outros olhos
Outros modos
Outros rumos
Meu anseio de gritar
Se faz deveras produtivo
Todo grito sem sentido
E toda voz arranhada e rouca
Tiveram, afinal, motivo
E desse grito fez-se canto
E desse canto faz-se vida
Todo santo dia
E essa vida não é à toa
Se fosse à toa
A energia envolvida
De nada valeria
Pois nesse ciclo solto, louco,
Da vida
Nada se perde, nem nada se cria
Tudo se transforma
Em poesia.


Pedro Vargas

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Canto Rouco de Uma Voz Falha

Sozinha
No escuro de uma falange, faringe
Laringe, sei lá
Sozinha
Chora canção sem som
Pois se faz necessário sê-la
Para cantá-la
Sozinha
Quer sair e ganhar o mundo
Num grito rasgado
Mas é sempre isso
Uma boca fechada
Calada
Sozinha
Tateia, no escuro,
As cordas vocais,
Sua lira, nas horas de melancolia
De que adianta ser voz
E linda voz
Se o dono não fala?

Pedro Vargas

terça-feira, 4 de maio de 2010

Veja, Fulô


Desperta, despetalada
Cheia de mau-me-quer bem-me-quer
Leva cheiro de amor
Beijo de beija-flor
Uma paleta cheia de cor,
Fulô

Teu néctar embebeda
Até mesmo abelhas mais experientes
Teu fruto permeia o irreal
de tão surpreendente
Teu mal é que afana atenções
De todos os passantes
E transeuntes
E horizontes,
Fulô

As coisas que andam
Invejam teu jeito
Parado de ser
As coisas que enxergam
Veneram a tua beleza
Ó, Fulô, veja, você
És paraíso em forma de planta
És o supra sumo da vida
E da beleza
Nesse nosso
Azul planeta.

Pedro Vargas

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Majestade Intestinal

Abram alas
Para o Rei
Que passa

Majestade Irrefutável
De tudo que é
Ou sonha em ser

Do sangue tão anil
Que se confunde
Com o ceu, azul
E o mar

Batam palmas
Para a sua
Graça

Tirano Irreversível
De tudo que pratica
O ato de respirar

Nem o Sol, que é o Sol,
Brilha mais que a luz
Que reflete da coroa
Que o define realeza

Fez por que fez
Ser nobreza,
O tal leonino

Genioso,
Inventou logo
De viver no meu
Intestino

Abram alas
Para o Rei
Na minha Barriga

Pedro Vargas

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Quando a gente se vê
A remoer as lembranças mais distantes
Do fundo do Cocuruto

Quando a gente escuta
A gente mesmo falando nomes
Falando coisas
Só pela leveza que dá
Lembrar

Quando a gente se sente
Chover no molhado
Quando a gente se cheira
E só sente o nariz
Escorrendo
De lágrima, de choro
De catarro

Quando tudo é tão óbvio
Que dá raiva
Que se mata
De alegria
Com a leve brisa
Que trouxe o que há de bom
De volta
De supetão
É tão bom
É sublime
É suave
É verdade
É saudade


Pedro Vargas

domingo, 28 de março de 2010

Pétala

Disserto sobre alimentar-se de flores. É certo que não trazem consigo muitos valores nutritivos ao corpo. Mas flores, caros leitores, tem, em cada pétala, compactada poesia. Beleza sensitiva e sensível, que não nutre o corpo, mas faz um bem danado pra alma. Vejam, vocês, que certa vez comi um Lírio. Despetalei todinho e refoquei no alho, claro. Quando pus aquela magnífica poesia gastronômica no prato, parei para observá-lo. Sua beleza era tamanha, que não me aguentei nem um segundo. Dispensei, logo, o garfo e resolvi tatear aquilo tudo. Sabor estranho, que senti. Tinha um quê de Cravo. Forte, revolucionário. A cor era de orquídea, na sua exótica pétala cheia de nuances e tons, e semitons embasbacantes. Tinha jeito de rosa na textura vibrante, nos espinhos pérfuro-cortantes. Tinha cheiro de jasmim. Algo de suave que sente de longe quando passa certa brisa matinal. Aliás, de Lírio mesmo só tinha o nome. Ou será que nem isso?

Pedro Vargas

sábado, 20 de março de 2010

Só por viver, já erro
E como erro!
E como quero
Errar
Quando vejo
Que cometi um grave acerto!

Pedro Vargas

terça-feira, 16 de março de 2010

Trocando as Pernas



Puto da vida, pegou uma garrafa de uísque, das tantas que havia no local, e saiu a esmo pela rua. Seus delírios, seus pesadelos, suas decisões erradas todas vieram à tona. Naquele momento tudo pareceu claro como água, ou uísque. Via o amor da sua vida sequer enxergá-lo, tratando-o como nada. Via-se comendo a amiga de trabalho por pura desilusão. Sentia-se traindo a menina por levá-la pra cama pensando em outra mulher. Ela que sempre gostara dele, ele que sempre fizera pouco caso dela. Na semana seguinte encontrou-a no trabalho toda feliz, alegre, sorridente, como se aquela noite tivesse sido algo como o início de um grande amor. Não era. Era apenas uma noite de puro prazer carnal e momentâneo. Queria que a menina entendesse, mas quando a olhava, via nos seus olhos aquele brilho de quem anda fazendo planos para pelo menos quatro anos dali pra frente. Vai ver o jantar à luz de velas foi exagero. Vai ver o vinho tinto importado foi exagero. Vai ver levá-la pra cama foi exagero. Mas isso não faria diferença nenhuma agora que o fato já havia ocorrido.

Saiu trocando as pernas pelas ruas de Ipanema com aquela garrafa, já meio vazia, nas mãos. Como poderia ter se apaixonado tão loucamente por aquela mulher? Como fazer para tê-la em seus braços? Milhões de planos passaram por sua cabeça durante o tempo da universidade. Sempre viajavam juntos nessa época. Eles dois, mais toda a sua turma. Coisas da juventude. Completamente compreensível para a época, afinal paixonites vêm e vão. Depois de formados nunca mais se viram e ele tomou seu rumo como professor numa escola mediana do Rio de Janeiro. Não ganhava o melhor salário do mundo, mas era funcionário público, trabalhando em prol dos seus alunos, sempre atiçando sua curiosidade, sempre vendo em cada uma das crianças que ensinava, o grande cientista que pensara em se tornar quando tinha aquele exato tamanho e aqueles exatos olhos enormes e concentrados. Era feliz, ou pelo menos assim se sentia. Não casara por opção. Fazia até certo sucesso com as mulheres, quando queria. Era um pouco desleixado com a aparência. Cabelos sem pentear e óculos tortos. Mas no fundo no fundo era feliz.

Quem poderia imaginar aquele fato daquele certo dia em que curiosamente decidiu passear por Copacabana para espairecer suas idéias confusas e encontrou nada mais nada menos do que a moça da graduação andando pela Atlântica sem compromisso algum? Talvez não fosse ela. Talvez fosse. Não custaria nada perguntar. Gritou seu nome umas duas vezes, sem muita esperança de que fosse ela. Ou com um desejo de que fosse ela, mas que não tivesse ouvido. É sempre preferível não ver como a pessoa que teve as mesmas oportunidades que você está muito melhor sucedida na vida por ser um pesquisador e você um professor. Chamou mais uma vez o seu nome só por desencargo de consciência. Foi então que ela virou, com um olhar de quem não está entendendo muita coisa até encontrar os olhos dele. Abriu aquele sorriso enorme e o homem lembrou na hora o porquê de ter se apaixonado por ela na juventude. Tão agradável olhar para ela novamente. Ver seus olhos, seu sorriso, sua graça, seu riso.

Mais agradável ainda foi quando se sentaram para tomar um café e conversar sobre a vida, sobre o caminho que cada um escolheu, relembrar os tempos de faculdade, das loucuras, dos professores, dos amigos e, porque não, dos amores. Nessa conversa ele acabou por declarar o seu amor platônico por ela naquela época. Ela deu uma risadinha nervosa e falou que gostara dele também. Por um milésimo de segundo, uma nova possibilidade do que poderia ter sido a sua vida passou pela cabeça. Um amor de verdade podia ter surgido naquela época para durar a vida toda. A julgar pelos seus trajes a moça tinha algum dinheiro e pela conversa isso se comprovava cada vez mais. Fez o mestrado assim que terminou o curso, doutorado na França, pós-doutorado na Alemanha. Um currículo de dar inveja. Imagina se fosse casado com ela agora. Talvez não fosse tão bom. Se sentia inveja dela naquele momento, imagina se fossem casados! Talvez não agüentasse a pressão de ter uma mulher mais poderosa do que ele em casa. Mas porque estava pensando nisso? Afinal, nada disso aconteceu! Eles não namoraram, não casaram, nada! Agora estavam ali tomando café por pura sorte do acaso e ele imaginando coisas! Mas por que não arriscar? Não tinha nada a perder. Resolveu perguntar o que ela faria naquela noite. Ele tinha que corrigir algumas provas, mas isso podia esperar. Ela disse que estava livre. Combinaram então de ir ao cinema ver o novo filme do Woody Allen, que uma amiga dela dissera ser fantástico. Foram ao cinema, beijaram-se, entrelaçaram-se e amaram-se em sua casa.

Entre um gole e outro pelo calçadão de Ipanema, um breve facho de sobriedade o fez ver como estava. Sentiu-se podre como carcaça de algum bicho atropelado na estrada. Vomitou ali mesmo, no calçadão. Pegou suas memórias e chorou copiosamente. Depois daquela noite a mulher nunca mais lhe dera notícias. Mas como um tornado que ataca uma cidade, ela foi embora deixando pra trás um grande estrago. Uma noite apenas foi o bastante para desestabilizá-lo daquela maneira. Quem era ela para fazer isso com ele? Como podia ser tão cruel? Um demônio sob uma forma angelical. Umas duas semanas depois, encontrou a colega de trabalho. Chamou para fazer alguma coisa. Precisava de companhia. Jantou, comeu, lambeu os dedos e esqueceu. Depois parou pra pensar no que fez. Como aquilo fora idêntico ao que a outra mulher fizera com ele. Idêntico! Um remorso sem igual se abateu sobre ele. Ao culpar a mulher por sua dor no coração, e ao fazer o mesmo com a amiga.

Em cacos o homem tentou recompor sua vida. Uns dois anos se passaram desde a série de episódios. Conhecera uma mulher interessante num clube de poesia que participava. Moça inteligente, bonita e carismática. Casaram-se e mudaram-se para botafogo, onde era mais perto da escola onde trabalhava. Seu círculo de amizades mudara. A vida era bem mais fácil a dois, diferente do que ele pensava (ou queria pensar) antigamente. Sua esposa pensava até em ter filhos. Quando imaginaria ele mesmo pai? Ele que tinha como profissão educar crianças, nunca pensara na possibilidade de ser pai de alguma. Isso o fez animar-se com a vida. Certa vez encontrou um velho amigo da faculdade no cinema. Logo trocaram telefones e passaram a se ver constantemente para um chope em Copacabana, depois do trabalho. Os velhos amigos logo se tornaram melhores amigos. Então contou-lhe sobre os episódios com a mulher da faculdade, a menina do trabalho e como isso tudo ainda afetava a sua cabeça apesar de toda a bonança em que vivia agora. Ele aconselhou um psicanalista. Segundo o amigo, esses caras ajudavam mesmo. A conversa logo tomou outros rumos mais alegres. Todavia, resolveu seguir o conselho: iria ao psicólogo no dia seguinte. Não foi. Nem no dia seguinte nem nunca. Sempre adiava essa decisão. No fundo no fundo era por medo. Tinha medo de o doutor chamá-lo de maluco. Besteira, mas acontece nas melhores famílias.

A moça enfim engravidara. Seria pai. Pulou de felicidade, gritou até a rouquidão quando soube da notícia. Seria pai! Pai! Como alguma notícia poderia ser melhor que essa? Foi só a partir daquele instante que ele se sentiu um homem completo, perfeito. Mas a vida é como nos filmes. Os momentos de maior alegria vêm na frente das piores tempestades. E não havia pior tempestade do que a que estava por vir. O amigo o convenceu de ir a um encontro de colegas da faculdade. Ele sequer sabia que essas coisas existiam. Para ele era coisa de americano, aquilo. Acabou indo. Um festão. Bebida a vontade, velhos amigos, velhas amigas. Uma noite regada a nostalgia e uísque 12 anos. Rapidamente embebedou-se. Não era muito forte pra bebida. Bêbado, encontrou aquela mulher. Aquela mulher que lhe tirava o sono com pesadelos morais. Aquela mulher que ele via enquanto comia a esposa. Aquela mulher que mastigava toda a sua sanidade no café da manhã. Aquela mulher que veio cumprimentá-lo falando que não esperava vê-lo ali. Aquela mulher que começou a conversar como foi uma loucura aquilo que fizeram no dia do cinema. Que foi só uma tentativa de lembrança boa da faculdade. Que veio pedir desculpas por não ter conversado com ele depois daquele dia. Que se sentia mal. Se sentia mal? E ele? Será que ela pensou nele em algum momento? Na sua solidão atroz que fez destruir os sonhos de outra mulher como num ciclo vicioso? Será que ela pensava no seu coração esmigalhado com salto alto por causa de uma mísera noite de sexo descompromissado?

Saiu de lá puto da vida empunhando uma garrafa de uísque. Cambaleou pelas pedras portuguesas de Ipanema pensando naquilo tudo. Vomitou no calçadão tal qual um mendigo sujo e trêbado. Sentiu-se torpe, podre por dentro. Matutou como um bêbado, o que realmente ele era naquele momento, como aquilo tudo era culpa daquela mulher diabólica. Desceu da calçada para a areia deserta, como de se esperar numa madrugada de sexta feira chuvosa. Bebeu o resto de uísque da garrafa de um gole só, tirou a toda a roupa e mergulhou no mar. No dia seguinte as manchetes dos jornais anunciavam um homem encontrado morto afogado na praia de Ipanema. Morto afogado Foi o que o legista falou. Morto afogado. Afogado em quê? Difícil definir.

Pedro Vargas

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Cinza

Sinto falta de alguém aqui comigo
Um amor, um amigo
Algo que já nem sei mais, muito bem,
O que seria
Sinto falta do meu violão, da música,
Da fotografia
Da cerveja na esquina
Da coceira na cabeça
Falta de tempo
Falta do tempo
Do que passa,
E também do que já passou
Do calor do fogo humano
Do frio na barriga
Sinto a mesmisse de uma rotina
Tudo que eu não queria
Sinto falta da interpretação
De outrem sobre a minha pessoa
Tão besta e solitária
Nesse cinza que abre o dia
E fecha a noite

Pedro Vargas

sábado, 20 de fevereiro de 2010

De Acaso

Mas que ingratidão
Encontrar-te, assim assim
Mais pra lá do que pra cá
Com um homem a beijar-te
A boca

Eu que sempre fiz
O tipo intelectual
Achei que, por um triz,
Iria te conquistar
Com poemas de amor
E brincar o carnaval
Acabei por me dar mal
Quando fui interpretar
A louca

Vi-me, mulher, então
Sozinha na multidão
Fazendo encenação
De quem tanto fez fingir
Que o amor resolveu partir
Mas na verdade ele está lá
Sempre pulsante no coração
Sempre incessante na pulsação
Tão complicado de entender
Tão machucado ao receber
Um não

Pedro Vargas

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Poema da Quarta-Feira de Cinzas

Foi assim, numa quarta-feira de cinzas
O rapaz sentado no meio-fio
Aguardando a chegada do seu lotação
Viu pelo chão mil serpentinas
Jogadas em meio a confetes
E anéis de lata
Canções que ainda no ar
Pairavam e cantavam
Sobre um Pierrot que sofria
Os males do amor

Viu assim de supetão
Reviver a sua alegria
Renascer a brincadeira
Quando apareceu na sua visão
O bendito lotação
Então o sonho desabou
Lá do céu
Despejando ao léu
Esse pobre rapaz
Se não for por bem
Então que seja por mal
Foi-se embora o carnaval

Pedro Vargas

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Homem que Mata

Abriu a maçaneta com requinte de gatuno
Puxou o trinta e oito com um porte de assassino
O matador, com indiferença nos olhos
Meteu um balaço certeiro na cabeça do menino
Uma morte limpa e fria, como de se esperar do bandido

O homem que mata, já matava há tempos
Desde criança, quando corria, brincava
Já matava
Passarinhos e Morcegos não escapavam do bodoque
aos doze ganhou a glock
E assassinou, a sangue frio,
O garoto que ficava de deboche
Era assassino por natureza
Nos seu olhos a frieza
Que só tem quem é morto
Ou quem mata

Cresceu entre bandidos
E contraventores da lei
No seu ramo empregatício
Era tido como um rei

Até que viu um garoto
Quebrando o crânio de outro
Usando uma madeira
Que no chão encontrara
Mais tarde, atirou no menino
Pra que não fizesse, o destino,
Mais um homem que mata

Pedro Vargas

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Paladar

A minha língua é cheia de poesia
Em cada papila
Em cada palavra

A minha língua é perfeita
É complexa, é difícil
Em todos os sentidos
Não é língua para qualquer um
Nem de se vender assim à toa
Não há outro paladar que eu queira

Só o meu dialeto, o meu sotaque
Têm esse gosto perfeito de língua
Esse sabor lindo
De sentir as palavras saindo
De ouvir-se palavras entrando
Sabores que não se esquece
Que, se distantes
Deixam saudade

Pedro Vargas