quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Vim do veio da gruta de Gaia
Sou o fruto tombado da Vagina
Da grande Mãe de Pedra
Que a gente pisa em cima
Que pesa nossos corpos sobre ela
Num forte e caloroso abraço
De amor incontestável
Que nos vela dos perigos da vida

A Gaia me fez desnudo
Sem feltro, sem brim, sem algodão
Nasci sem pelos,
Sem o peso das calças,
Sem o toque da blusa
Sem a prisão dos sapatos
Meus pés vieram descalços
Tocaram o solo sagrado
Do qual sou um mero pedaço

Mas vestiram-me de enganos
Puseram-me sob panos
Deitaram-me no berço, isolado.
Até esquecer quem eu era
Passei de filho da Terra
A dono dela, desajustado
Cidadão do Estado
Iludido pelas vestes que uso
Me tornei domesticado

Mas nunca é tarde para olhar o passado
E passear assim como vim ao mundo
Despido, despudorado
In Natura, sem moldura
Que me faça ser enquadrado
Em culturas que não cultuo
Em padrões designados.
Sou mais uma criatura
Deste mundo abandonado

Se nasci filho da terra
Pelo homem fui batizado
Sem sequer ser consultado
Quero e quebro leis e regras
A que sou condicionado
Sem calças, sem meias,
Sem blusão amarrotado!

Há em mim uma centelha
A essência do ventre que fui gerado
Ó, Gaia, grande mãe
Perdoe meus torpes pecados
Quero ser seu instrumento
Faça de mim o seu arauto
Eleve-me a alma ao alto
É um ato de resistência
Andar por aí pelado.

Pedro Vargas

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