sábado, 24 de dezembro de 2011

A Língua

A língua lambia-me o pescoço
percorria-me o corpo, alvoroçada
Não sabia se era homem ou mulher
Era língua,
Era áspera, era linda
Molhava-me toda, atrevida
Entrava-me, gerando em mim
Lembranças ávidas de céu
Beijava-me os seios
Fazia-me seu brinquedo
Saliva lasciva girava em sonhos
Sonhos e gemidos de desejo

A língua enlouquecia-me pouco a pouco
E meu gemido agudo dizia tudo
Meu corpo não continha
O tanto de prazer que a língua me trazia
E o arrepio na perna
Entregava os pontos
Mais uma lambida
E pronto
Estava no céu, enxarcada

A língua crua
Me beijava a boca, nua
Provava meu próprio gozo
Retorcia o tornozelo
Pois a língua não parava
Não deixava respirar
Tornava sempre para os lábios
Os de baixo.

Pedro Vargas

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Poemas de bico

Capturo poemas
Com papel e caneta
Sempre que eles
Se metem a besta
De se meter comigo

Poema é sempre um passarinho
Que finalmente avoa do ninho
Um tipo de pipa cortada
Meio sem rumo
Meio sem nada
Que surge assim
Numa noite em claras
Ou em claro,
É claro.

Pedro Vargas

domingo, 4 de dezembro de 2011

Esfinge

Indecifraveis olhos
Devoram-me todo
De cima a baixo
Mastigam-me
Como se fosse sua comida

Olhos de névoa
Me encaram
Enquanto me engolem

Olhos de gato
Me enxergam
Enquanto consomem
Meu corpo
Entregue
Inerte

Olhos de gente
Me cravam os dentes

Olhos de esfinge
Em um corpo delgado
Moldado para o pecado

Olhos que me tiram o sossego
Me devoram
E me enchem de desejo
De tanto enigma ocular

Olhos de tanto segredo
Que parece um sonho
Que quando a gente acorda
Deita de novo na cama
Só pra voltar a sonhar

Pedro Vargas

domingo, 9 de outubro de 2011

Um breve pensamento saudosista

O papel que a caneta rabiscava
Hoje, obsoleto,
Reside a estante de um museu
Não mais apago,
Deleto
Não mais escrevo,
Digito
O que era belo
Agora é arquivo

Hoje é tempo de mudança
Meus dedos que seguravam lápis
Correm feito loucos
Pelas teclas do teclado
E meus olhos, pobres coitados,
Cansados da luz do monitor
Pedem ao meu corpo
Aconchego de luz apagada
E o calor de cobertor

Hoje não tem Tête-a-Tête
O mundo perdeu sua fala
A gente já nem mais existe
Sobrou apenas matéria
Que à duras penas resiste
A idéia já entrou pelo fio
A vida é um grande vazio
Porque a gente deixou se tornar

Hoje parece melhor,
Ou pelo menos
Soa plausível,
Que a terra perca o pudor
E passe a girar ao redor
Da tela do computador

Pedro Vargas

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Vizinhança


Fodem no andar de cima. E pelo andar da carruagem, não acaba tão cedo, a gritaria. Fodem, enquanto busco, no teto, uma esperança de sonho, ou sono, o que vier primeiro. Fodem, enquanto caço na TV algo que interesse à minha retina. Noite difícil. Bate uma leve inveja do que acontece lá em cima. Ouço os barulhinhos, a cama que range sem vergonha alguma. Como se a cama houvesse de ter vergonha. A cabeça viaja longe no negrume da noite e, no entanto, não alcança os braços de Morfeu. Parece que vou continuar escutando gemidos. Mesmo abafados, por um travesseiro molhado de suor, os gemidos ganham liberdade sonora e vêm se aconchegar no meu ouvido. Conversinhas sacanas. Pura matéria prima para um poema de sacanagem. Escuto tudo. Já que o sono não chega, aproveito pra conhecer melhor meus vizinhos. 

Pedro Vargas

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sorriso Cândido

Hoje a Lua me sorriu
Um sorriso onírico e belo.
Bambeei de emoção!
Palpitei de alegria!
Que saudades de Lua
Que há tempos não via.

Agora, lá de cima,
Sonhos e risos
Me envia
Que eu, simpático,
e um tanto gramático,
Transformo em rima.


Pedro Vargas

sábado, 5 de março de 2011

Feitiços de Olhar

Teu olhar é mar
As vezes bravio (raramente)
Vez por outra teimoso (quase nunca)
Vez em quando tranquilo (que sonha)
Um mar que ri. que ve em tudo sorriso.
 
Meu olhar,
Brilha como o descobrir.
As vezes me sinto assim
Descobridor,
Grande navegador.
Que revela
Que te despe
Como se vestisses sonho
Te adivinha,
Feito passarinho

Quero ver teu olhar
Pirar novamente
Quando os dedos de mago
Tocarem sua pele macia
E arrancarem palavras bonitas
O mago te tem bem escrita
O mago que te olha com as mãos
Que te escuta com os dedos
Que te cheira pelos ouvidos
Que te sente com a lingua
Deixando teus lábios
Com água na boca
Sem planos, sem nada
Te entrega aos meus dedos
E métodos de explorar-te
Num prazer infindável
Felizmente saudável
Transcendentalmente
Delirável


Pedro Vargas

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o Verbo Aprender-se

Aprendeu-se professor,
Saiu por aí a ensinar até às flores
Sobre a beleza rara, e límpida
Da vida.

Aprendeu-se belo,
Fez o que pôde da sua beleza
Bem sabendo que a beleza é prato raro
Que aproveita-se da juventude
Com um nobre paladar

Aprendeu-se admirante,
Mirava as belezas
Cada olho que fitava, olhava fundo
Um mundo!
Belezas sempre tão coloridas
Cada mulher é uma flor linda

Aprendeu-se assim
Errando de tudo
Hipnótico,
Vendo na língua mátria
Massinha de modelar
Aprendeu-se só
A moldagem de palavras

(Em homenagem a Manoel de Barros)

Pedro Vargas

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Terremoto

Dos olhos um tigre

Selvagem tigre

Um olhar tigral

Das florestas da Índia

Dos cabelos,

Me perco

São ventos ventanias

Tempestades furacões

O que há de mais belo

Em questão de brisa

Do corpo

Morro

Morro de desejo

Morros e vales,

Curvas com sabor

De terra

E perfume

De chuvas

Das costas,

Planície morena,

Flores desabrocham

Cheirando a sonho bom

Dos lábios,

Um mar revolto,

Desconhecido,

De grandes navegações

Um beijo de descobrir mundos

Novos mundos de tesão

Da beleza,

Pura e terrena,

Sabores terrais

E geológicos

De mulher

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O mar

Já se via da porta os barulhos de mar que vinham da praia. Acordar sentindo o vento salgado no rosto, levantar da cama com cantos de pássaros. Saiu de casa pra pisar os pés no areal e admirar as ondas que vinham beijar seus pés descalços.

Coisa boa viver de mar. Pensava como é bela e poética a vida de marítimo. Que tudo é ver peixe, ver água, ver vento, ver areia.

Quando criança queria ser pirata, que pirata é homem honrado. Os homens do mar são homens honrados. Queria brandir espadas, cantar cantigas de pirata, fazer pilhagens, beber rum, se engraçar com mulheres da vida. A vida de pirata agrada a todas as crianças de verdade.

Queria ser capitão de navio, ser comandante. Comandante. O mais respeitado dos piratas das bandas do atlântico. Queria conhecer Oceanos, se perder no infinito azul. Diz que no alto mar o céu se confunde com a água e a pessoa fica meio maluca. Diz que tem monstro, lula gigante, baleia assassina. Diz que tempestade que derruba até a maior das embarcações. Mas se não houvesse perigo, não tinha diversão, não tinha aventura.

Ser pirata dos sete mares. Conhecido por cada língua que habita o mar. Por todos os portos que alguém possa falar alguma coisa, temeriam seu nome, Respeitariam suas histórias, se curvariam diante do grande pirata. Conheceriam todas as suas histórias, e depois da sua morte escreveriam um livro sobre suas façanhas.

E suas histórias seriam as mais maravilhosas possíveis. Coisa de Julio Verne nenhum botar defeito. Coisa de homem homem. De quem sabe o que viveu. Batalhas sangrentas, Monstros e tempestades. Tartarugas gigantes, porque sempre tem que haver tartarugas em histórias de piratas. Homens-peixe vindo do fundo do mar. Essa em particular é uma história maravilhosa que ele viveria. Uma raça de seres humanóides bizarros, com guelras e membranas entre os dedos. Homens-peixe de Atlântida. Atacariam porque o pirata roubara seus ídolos de ouro, coisa sagrada de homem-peixe. Homens honrados, os piratas. Honrados com a cobiça e a ânsia de poder. Mas não deixa de ser honra.

De garoto pirata, pra homem barqueiro não levaria muito. Não vivera todas as histórias maravilhosas que queria, mas não deixou de ser feliz. Sequer saíra de suas terras, mas fora homem de palavra, honrado como todo homem do mar deve ser. Casou-se com Matilde, que era uma negra muito da bonita. Dos cabelos crespos. Quando casaram era ainda moça. Mas era a mais linda dentre as mulheres da beira do cais. Casaram, mas não foi na igreja que não gostava disso. Casaram de casar. Papel passado e pronto. Uma festança que foi no dia. Era dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores e dos homens do mar. Casaram, e foram felizes da maneira que são felizes os homens que vivem do mar.

E de mar ele viveu. De mar envelheceu. Matilde, a preta dos cabelos crespos não lhe deu filho algum. Acontece que ela tinha problemas de mulher. Não deu filho porque não podia. Uma dor que lhe doía a cada dia que via o marido olhando pro mar pensativo. Sabia que o homem sempre quisera um garoto. Um moleque que um dia quisesse ser pirata, viver nos sete mares, conhecer os portos do mundo todo. Os chineses que falam esquisito, os alemães malucos da cabeça. Queria ser pirata com o filho. Queria se endoidecer sem saber se era céu ou se era água o que via. Queria tudo isso de novo que infância é muito bom. E o mar só guarda a nossa infância. O mar é como uma mãe com um álbum de fotografias. Quando se posta na sua frente acontece algo de hipnose que faz nostalgia pairar pelo ar. E quando se mergulha fundo não tem jeito. O mar te pega de jeito.

Ele que fora o homem mais feliz ao cheirar a maresia, ao nadar nas águas claras, ao deitar-se nas areias. Quando via o mar se sentia um homem triste. Triste de as coisas terem passado tão depressa, de ser agora um velho sem forças pra pegar no leme, sem braços pra nadar pro fundo. O mar se tornou a lembrança vaga do que se fora. Do filho que não teve, das aventuras que não viveu, dos anos que passaram de repente, sem mais nem menos.

A mulher se culpava todos os dias pela falta de fertilidade. Se achava uma coisa podre, um objeto inútil. Um dia pegou a faca da cozinha e cortou a própria garganta só de desgosto. Puro desgosto de mulher incapaz de parir. De mulher inútil sem capacidade de gerar um filho. De dar à luz, de ter a prole que o homem tanto desejava.

O homem jogou o corpo de Matilde, a preta do cabelo crespo, no mar, porque assim devem ir as almas das pessoas marítimas. Ficou pensando, quem jogaria o seu corpo no mar se acaso viesse de morrer. Não tinha mais ninguém agora que Matilde se fora. Haveria de morrer ali mesmo, na praia. O mar não o levaria embora, as ondas não beijariam seu corpo defunto. Resolveu viver no alto mar.

Já se via da porta os barulhos de mar que vinham da praia. Acordar sentindo o vento salgado no rosto, levantar da cama com cantos de pássaros. Saiu de casa pra pisar os pés no areal e admirar as ondas que vinham beijar seus pés descalços.

As coisas já estavam no barco, mantimentos para uma semana. Água, comida, uma muda de roupa. Levantou a âncora, içou as velas e pegou o leme. Sempre em frente, se guiando pelo azul infinito. Deu adeus ao porto que crescera e pariu para o seu destino de homem do mar.

Quando já não se via mais cidade, nem morro, nem qualquer terra que fosse, o homem parou. Parou e ficou admirando o mais puro azul à sua volta. A mais pura beleza. O mar se confundindo com o céu. Um azul de deixar qualquer um maluco. Sorriu. Sorriu e chorou, como nunca chorara em anos. Era um sonho a imensidão azul. Era com estar dentro de algum recipiente que guardava todo o azul do mundo. Azul celeste, azul marinho. A noite chegou e as estrelas refletiam na água. A lua brilhando como nunca brilhara. O homem estava feliz. Como são felizes todos os homens do mar. Sorrindo se jogou na água e nadou pra longe do barco. Boiou na água esperando as ondas beijarem seu corpo. Já se sentia um morto. Um homem do mar não pode morrer na terra. Se ninguém há de jogar seu corpo no mar, ele mesmo jogaria. Não precisava mais viver, porque fora o homem mais feliz do mundo, como hão de ser todos os homens do mar.

No dia seguinte um grupo de pescadores encontra um barco de nome Tartaruga, a deriva no alto mar. Ninguém a bordo. Barco do Seu Otacílio, velho mais sábio que o porto já teve.


Pedro Vargas

sábado, 1 de janeiro de 2011

Ontem, Ano Passado

Ontem foi o que passou.
Como se um ano inteiro culminasse
Em um só dia.

Fiquei pensando miudezas...

Pensando na comemoração
Do ano novo, do ano velho,
Miudezas sem fim.

Como se cada um expurgasse
Miúdos de pólvora e sonhos
E lembranças e desejo e esperança.

E miúdo vira pipoco.
De miudo em miudo
Temos uma praia inteira de miudezas.
E de repente explode e pipoca,
Cada um de uma cor, de um barulho.

Ontem foi resenha do que se viveu
Misturado com a sinopse do que virá.

Ontem foi pipoco pra tudo que é canto.
Pipoco de vida
De uma cidade que merece
Muito mais pipoco
E pipoca.

Ontem foi o sorriso de paz.
Foi o amor miudinho
Entrando na nossa cabeça.

Ontem foi saudade do tudo do ano passado.
Das grandezas, sim,
Mas principalmente das miudezas.
Especialmente elas.

Dum cocô de passarinho
Duma moça bonita que passou
Dum poema de amor
Duma passagem de um livro
Dum beijo na boca
Dum desenho na parede

Miudezas que passam desapercebidas
Mas que engrandecem.

Feliz ano novo,
Mas feliz ano velho
Que o que passa
É combustível da arte
E combustível da vida.

Pedro Vargas